Violência doméstica: quando o perigo mora dentro de casa
Dados mostram que esse tipo de crime tem acontecido com frequência; saiba o que pode ser feito para combatê-lo.
Lar doce lar. Na teoria, deveria ser um lugar seguro, que mal nenhum pode acontecer. Em contrapartida, muitas vezes, mulheres, idosos, crianças e adolescentes são os que mais sofrem com a violência doméstica.
Pode começar de forma sutil. Uma discussão banal, o estresse do dia, o consumo de álcool. Com o tempo, surgem justificativas perigosas — como se o comportamento da vítima ou a dinâmica familiar explicassem a agressão.
Esse tipo de cenário, dentre outros semelhantes, é recorrente. No Brasil e no mundo.
A 19ª Edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, indicou que houve uma diminuição na taxa global de mortes violentas intencionais no país.
Contudo, as estatísticas de feminicídio, por exemplo, bateram o recorde: um aumento de 0,7% de casos no ano de 2024 em comparação com 2023.
Um detalhe importante: oito em cada dez foram mortas por companheiros ou ex-companheiros e 64,3% dos crimes aconteceram dentro de casa. Já os mais novos, entre 0 e 17 anos de idade, o levantamento apontou um crescimento de 7,8% nas taxas de agressão decorrente à violência doméstica.
Já os dados do “Relatório Feminicídios em 2023”, realizado pela ONU Mulheres e pelo UNODC (em tradução, Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime), indicou que globalmente, no ano em questão, 85 mil mulheres e meninas tiveram as vidas encerradas intencionalmente. Desses homicídios, 60% foram cometidos por um parceiro íntimo ou outro membro da família.
Mas afinal: o que é considerado violência doméstica?
A Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude (ASBRAD) explica que “violência doméstica é todo tipo de violência que é praticada entre os membros que habitam um ambiente familiar em comum”.
Ou seja, pode ocorrer entre pessoas com laços de sangue (como pais e filhos) ou unidas de forma civil (marido, esposa, entre outros parentescos)”.
Para se ter uma ideia, no Brasil, o percentual de mulheres que sofreram alguma violência ao longo da vida por parceiro ou ex-companheiro é superior à média global: 32,4% contra 27%, segundo relatório recente da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Mas vale ressaltar que esses danos vão além do cenário “marido e mulher” e afins.
Uma pesquisa realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) revelou em 2024 que 60% das crianças com menos de cinco anos em todo o mundo são submetidas a formas de disciplina física ou psicológica violenta em suas casas, baseado em dados coletados entre 2010 e 2023 em 100 países.
No Brasil, por exemplo, aproximadamente, 90% das situações de violência infantil ocorrem no ambiente familiar, sendo que 72,7% dos casos acontecem no domicílio da vítima e do agressor.
A Universidade de São Paulo (USP), diz que a utilização da violência por parte dos pais em relação aos filhos é uma prática comum e, infelizmente, ainda é aceita na sociedade brasileira.
Consequências para a vítima
Patricia Barbosa, psicóloga clínica e hospitalar, explica que os danos emocionais e físicos são muitos para a pessoa que passa por isso.
“A vítima fica retraída para o mundo, pois tem receio de que qualquer ação dela possa levar a uma situação de violência. Ela vive em estado de alerta e com medo constante. Também costuma ter ‘sonhos’ traumáticos, acredita que está sendo perseguida por quem cometeu os atos violentos. A vida acaba se tornando restrita, limitada e há uma falta de confiança em si mesma”, conta a especialista.
Sendo assim, o apoio psicológico é essencial, já que causa profundas marcas na personalidade de quem enfrenta o problema. O comportamento muda e os sentimentos são os mais diversos.
“A pessoa precisa se reconstruir para uma nova vida e essa reconstrução, em casos de relacionamentos abusivos, por exemplo, é muito delicada. Será uma nova forma de se olhar e tratar os traumas”, explica Patricia.
Como ajudar e quais são os canais de denúncias?
Infelizmente, ainda há muitas crenças de que a pessoa que sofre violência, passa por isso porque quer. Não tem pulso firme, não quer ser ajudada, dentre outras falas errôneas. Principalmente, quando se trata da agressão física ou verbal contra o público feminino.
Afinal, deve ou não se meter nessas brigas que, aparentemente, parecem não ter nada a ver com um vizinho, um amigo, familiar? Meter a colher nesses casos pode salvar vidas.
Antigamente, apenas a vítima podia prestar queixa. Atualmente, diante da possibilidade de agressão física ou uma possível lesão corporal, qualquer um pode denunciar.
Vale ressaltar que o art. 5º da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão motivada pelo gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
Apesar dos números ainda serem altos, é um recurso que ajuda esse público a entender os seus direitos, incluindo o acesso à justiça, saúde física e mental, dignidade, liberdade, entre outros.
Caso você esteja do lado de fora, acompanhando de alguma forma a situação, não deixe de ligar para 180. Se a sua preocupação é que o acusado saiba quem denunciou, saiba que o sigilo dos seus dados pessoais está garantido.
Falando nisso, um dado divulgado pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, informou que só no ano passado, a maioria das denúncias foram feitas pela própria vítima.
Na sequência, vizinhos, amigos e parentes tomaram a iniciativa em mais de 48 mil casos. Até mesmo, os próprios agressores entraram em contato para a Central de Atendimento à Mulher, somando 156 registros.
Em casos de emergência, que precisa de intervenção imediata, entre em contato pelo 190. Maus-tratos contra crianças e adolescentes, o Disque 100 irá auxiliar.
E, sim, a violência doméstica pode ser denunciada em qualquer delegacia. Mas a DEAM (Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher) é o órgão mais capacitado para realizar ações de prevenção, proteção e investigação.
Também existem organizações da sociedade civil que oferecem acolhimento, acesso à profissionais da saúde e terapeutas, como a ONG Recomeçar, em São Paulo.
Por fim, mas não menos importante, a psicóloga Patricia Barbosa, lembra da importância de conversar com quem está enfrentando algum tipo de violência doméstica. Perguntar “como ela permite isso?”, dentre outros questionamentos, pode atrapalhar mais do que ajudar.
“Caso ela confie em você para abordar sobre esse tema, não desista dela (por mais que pareça que não tem jeito), faça visitas, seja presente. Entenda que essa pessoa se anulou, tem medo, receios. Sente culpa, acredita que de alguma forma fracassou. Conscientize a vítima a buscar proteção, entre outros direitos. Jamais, em hipótese alguma, julgue”, comenta a especialista.
Se identificou em alguma parte dessa reportagem? Não hesite em pedir ou oferecer ajuda. Lembre-se que a culpa nunca é da vítima.
Relembrando que os contatos são: 180 (Central de Atendimento à Mulher), 190 (emergências) e 100 (Disque Direitos Humanos).