Júlio Ribeiro, o artista de Itupeva que superou o "deserto" e encontrou voz na arte
Em entrevista, artista traça um perfil de sua arte, que une a busca pela perfeição do paisagismo à urgência da crítica social.
A pintura figurativa, que busca a representação fiel da realidade, encontra suas raízes mais profundas nos grandes mestres do Classicismo e do Barroco. A profundidade da luz (o chiaroscuro de Caravaggio), a riqueza da cor (Rubens) e a técnica de pinceladas (Velázquez) são legados que influenciam artistas até hoje.
É nesta tradição de domínio técnico e observação da humanidade que a Folha de Itupeva apresenta o trabalho de Júlio Ribeiro, talento da pintura em Itupeva, que conquistou o 2º lugar na categoria Pintura no 16º Salão de Artes Plásticas da cidade. Em entrevista, Júlio traça um perfil de sua arte, que une a busca pela perfeição do paisagismo à urgência da crítica social.
Das telas do interior ao Exército
Nascido em Piquete (Vale do Paraíba, SP), Júlio Ribeiro mudou-se para Itupeva em 2007, mas o dom para o desenho o acompanha desde a infância. Aos 9 anos, sua facilidade foi notada por uma professora de pintura a óleo em sua cidade natal, Dona Betinha.
“Eu comecei a desenhar desde que me conheço como gente, muito pequeno. Com 9 anos fui encontrado por ela, e comecei a frequentar o ateliê dela e aprender as técnicas de tinta a óleo,” relembra Júlio.
O contato com a arte clássica foi imediato, e ele elege os mestres barrocos como suas principais inspirações: Michelangelo Merisi da Caravaggio, Peter Paul Rubens, Diego Rodríguez de Silva y Velázquez e Rembrandt Van Rijn.
No entanto, a jornada artística sofreu uma pausa significativa. Dos 16 anos, quando deixou o ateliê, até 2019, Júlio viveu um “deserto” sem pintar, motivado principalmente pela escassez e dificuldade de obter materiais artísticos em sua região na época.
“Eu ficava muito chateado porque eu precisava de material e não tinha”, conta. Após servir no Exército Brasileiro e com o avanço da internet, que hoje facilita a compra de materiais, ele finalmente voltou a pintar durante o período da pandemia.
Figurativo, paisagem e o processo criativo
Apesar de dominar os cinco conceitos da arte (paisagem, natureza morta, animais, figura humana e marinhas), Júlio define-se como um artista figurativo, especializado em paisagem.
Ele descreve seu processo criativo como metódico e intencional: “Eu vou estudando um determinado tema e passo para o papel a minha ideia, e quando chega na ‘tela de verdade’ chega praticamente pronto.” A inspiração vem dos velhos mestres e do próprio estudo do projeto.
Ribeiro explica a emoção que busca na sua arte figurativa: “Eu gosto que a pessoa chegue diante da tela e fica admirando cada elemento que tem na minha obra, cada composição, cada detalhezinho, uma florzinha, uma árvore afastada, um animal. Eu sou do figurativo mesmo.”
Além do óleo sobre tela, Júlio também trabalha com restauração de imagens, tintas para tecido e possui base em esculturas. Ele explica que essa experiência tridimensional é fundamental, pois “a pintura é a base da escultura também. Normalmente o escultor sabe desenhar muito bem, ele precisa dessa base para fazer a escultura.”








A luta pela consciência e futuro
A arte de Júlio Ribeiro transcende a beleza da paisagem para se engajar em temas sociais urgentes. Sua obra doada para o evento do Dia da Consciência Negra, que exibe um punho cerrado acorrentado com cortes, é um poderoso símbolo de luta.
O artista esclarece o significado da obra: “Apesar da obra estar demonstrando muito sofrimento, o que eu quis mostrar no ‘punho cerrado e cortes na mão’ foi a condição da luta, de vencer os obstáculos. Não se trata do sofrimento em si, mas da batalha da vida. Eu quis mostrar que foi uma questão de vitória e não de derrota.”
Como homem negro e pai atípico de seis filhos (sendo um deficiente), Júlio luta contra o preconceito em várias áreas. Ele reflete sobre a importância da oportunidade, que, muitas vezes, “o negro pega porque ninguém quis.”
Seu engajamento continua em projetos futuros que abordarão o autismo e a “exploração do trabalho” (como o debate sobre o 6x1). Essas pautas sociais reforçam seu grande objetivo para o futuro: se tornar Professor de Artes Plásticas de Pintura.
Atualmente, devido à sua intensa carga horária como pai atípico e ao seu trabalho noturno (das 22h às 5h), ele está montando seu ateliê em casa, dedicando-se em aprofundar seus estudos para, em breve, apresentar o melhor para os seus alunos, para que eles possam evoluir no tempo mais rápido possível.
Reconhecimento e incentivo
O Júlio sempre foi reconhecido por seu talento, desde a infância, quando ganhou bolsas de estudo integrais (embora não pudesse arcar com os custos de material) e medalhas no Exército Brasileiro. Em Itupeva, ele tem sido premiado desde 2020, sempre recebendo menções honrosas e prêmios nos Salões de Arte, quase todos em 1º lugar.
Para ele, a importância do Salão de Artes Plásticas não reside apenas no prêmio, mas na exposição. Júlio enfatiza: “A importância maior do Salão é estar ali mostrando o seu trabalho, porque outras pessoas veem e surge para você a oportunidade de comprarem o seu trabalho.”
Os admiradores de arte podem encontrar Júlio Ribeiro em seu Instagram #julioribeiroartes e estão convidados a conhecer seu mini ateliê em casa, diz o artista.
Mensagem para o artista em potencial
Para finalizar, a Folha de Itupeva perguntou ao Júlio qual é o recado que ele deixa para quem tem um dom artístico em Artes Plásticas e ainda não se expôs por algum receio:
O conselho dele é incisivo: “Se você tem vontade de trabalhar com arte, acredite em si, o maior incentivador é você mesmo. Busque desenvolver o lado artístico, o lado direito do cérebro, e faça trabalhos independente se as pessoas gostem ou não. A constância traz grandes resultados”.
Júlio comentou que estava conversando com uma moça no último Salão e disseram: “nós vamos embora deste mundo, mas nossas obras irão ficar para as novas gerações”.
Então o conselho dele é que busque, sim, desenvolver o seu talento. Não tenha vergonha, porque a vergonha é uma barreira muito grande, mas deixe isso de lado e busque desenvolver o seu talento.
A jornada de Júlio Ribeiro — da paixão de infância interrompida pelo “deserto” da escassez, à maturidade técnica inspirada nos clássicos — é a prova de que o talento exige, acima de tudo, perseverança e coragem.
Ele nos oferece uma arte que é um convite à admiração: um artista figurativo especializado em paisagem que utiliza a técnica dos grandes mestres para revelar a beleza nos detalhes. Ao superar o receio de se expor e as dificuldades da vida, Júlio nos lembra que a verdadeira vitória é garantir que o legado e a mensagem do artista em cada obra, permaneçam vivos para as novas gerações.




